O ano é 2003. Mais uma vez, a Terra corre um grande perigo.
“É o terrorismo e a Al-Qaeda!” responde George W. Bush.
“É a fome e a miséria!”, gritam os manifestantes anti-globalização.
“É a hegemonia americana com o seu estilo de vida e o seu imperialismo!” clama bin Laden.
“É o fim do petróleo!”, berram alguns.
“São os desastres ambientais!”, dizem os ambientalistas.
“A crise económica mundial!” gritam todos.
Pode ser que sim, não desminto. Mas alguém viu alguma vez o Songoku e os seus amigos a resolverem esse tipo de problemas? Eles só sabem salvar a terra de tipos malignos e perversos cujo único objectivo é destruí-la. Quando aparecer alguém capaz de salvar a Terra daqueles problemazitos mencionados no início, eu aviso o pessoal. Não, o perigo que ameaça a Terra é igual aos outros que têm aparecido. Só o Songoku sabe lidar com eles e é só isso que o Songoku sabe fazer.
*
O planeta Usbeck fica a uma quantidade de anos-luz da Terra. É um daqueles planetas que o ser humano tem tentado descobrir e ainda não foi capaz: vida vegetal, animal e vida inteligente – quer dizer, vida racional, se é inteligente não sei. Água, luz solar e calor em quantidades razoáveis (luz solar é uma forma de dizer, o planeta Usbeck não gira à volta do Sol, gira à volta da estrela Vilar que faz as vezes de sol para eles) e condições para o aparecimento de Vida. Os seres racionais que habitam Usbeck são os Usbecks (ou Usbeques em grafia à portuguesa). Os usbecks foram mais inteligentes que os terrestres. Toda a população usbeck do planeta obedece aos mesmos líderes (quem vê ficção científica sabe que é assim, a Terra é o único planeta cuja população está dividida em estados; em cada um dos outros planetas a população obedece toda ao mesmo chefe).
Os usbecks têm o mesmo aspecto físico dos humanos. Cabeça, tronco, membros, dois olhos, dois braços, duas orelhas, duas pernas, e a mesma altura. A grande diferença, em termos físicos, é a cor da pele: roxo. Roxo claro para os usbecks que vivem junto dos pólos, roxo muito próximo do violeta para aqueles que vivem próximo do equador.
Os usbecks (ao contrário dos terrestres) não costumavam envolver-se em guerras civis, mas a sua gestão dos recursos do planeta é mais parecida com a da Terra. A população cresceu até um nível insuportável e o planeta não aguenta mais. Em face disto, os líderes usbecks reuniram-se e decidiram que a colonização de outros planetas era o único caminho a seguir. Naves espaciais começaram a ser projectadas e potentes telescópios sondaram o espaço profundo à procura de um planeta habitável. No entanto, os usbecks tomaram precauções extra.
Foram seleccionados os 10 melhores lutadores do planeta usbeck e, secretamente, foi-lhes imposto um treino específico, de modo a desenvolverem uma série de capacidades. Os recrutas aprenderam a concentrar a energia do seu corpo de modo a realizar proezas inconcebíveis para um usbeck normal. Aprenderam a voar, a concentrar energia nas mãos de modo a expelir raios de fogo, a sentir a energia de adversários nas proximidades… quem viu o Dragon Ball Z sabe do que estou a falar. Eram como super-guerreiros. A diferença é que o cabelo não ficava louro de cada vez que concentravam a energia necessária.
Os 10 usbecks seleccionados chamavam-se Arnem, Valvaik, Loivarden, Mirkirk, Murdaik, Castenrék, Oistervaik, Ternóizen, Jabekke; o seu líder era Zwolle.
O treino demorou vários meses, ao longo dos quais os progressos registados por estes combatentes foram notáveis, assim como a cumplicidade entre eles. Iam treinar-se para as regiões desérticas do planeta, onde podiam destruir grandes rochedos e provocar enormes crateras, com os seus raios de energia.
Ao mesmo tempo, os astrónomos usbecks descobriram, numa galáxia longínqua, um planeta habitado! Desde logo ligaram as antenas intergalácticas de rádios ultra-potentes para recolherem sons vindos de lá, e o máximo de dados possível. Descobriram que estava habitado por “humanos”, que davam ao seu planeta o nome de “Terra.” Aos 10 lutadores, cheios de energia e confiança, foi dito que a hora do combate se aproximava.
Uma grave ameaça para a Terra!
Poucos dias antes da partida, um oficial subalterno, desconhecedor das capacidades dos grandes guerreiros do Universo, perguntou a Zwolle, chefe do exército:
- Como farão a viagem até lá?
- É fácil. Através da técnica do teletransporte. É assim: estás em pé, descontraído, os braços ao longo do corpo. Estendes o indicador e o médio da mão, unidos, e coloca-os sobre a testa, sendo que só as pontas dos dedos tocam a mesma. Os outros dedos fica fechados. Visualizas o local para onde queres ir, concentras-te nele. Instantaneamente, o teu corpo evapora-se do sítio onde está, desaparecendo como uma imagem de TV mal sintonizada, e apareces no local que escolheste.
Eu e os meus homens temos treinado esta técnica e a taxa de sucesso é já suficiente para arriscarmos uma viagem à Terra.
- Fantástico! Como aprenderam a fazer isso?
- Vimos vídeos do Dragon Ball Z, vimos a maneira como os super-guerreiros o fazem, e fazemos igual.
E foi chegado o grande dia! Saudados pelas autoridades máximas do planeta, com direito a transmissão em directo pelas televisões, os 10 combatentes usbecks despediram-se dos da sua espécie e efectuaram o teletransporte: colocaram o indicador e o médio da mão direita, unidos espetados sobre a testa, visualizaram o local que queriam atingir…e desapareceram.
Destino: Terra.
*
Já o grande Camões cantava que, lá longe, no Panteão dos Deuses, no Monte Olimpo, os deuses vigiavam e seguiam tudo o que se passava cá em baixo, entre os homens. Foram eles que decidiram se o Destino devia ou não premiar a ousadia dos portugueses que demandaram a Índia, conforme está n’ Os Lusíadas; e foram eles também que descortinaram este novo perigo que ameaçava a Terra. Em boa verdade, já o haviam feito, ou pelo menos um deles, uma vez; se bem se lembram, foi o deus Neptuno que veio avisar Songoku e os amigos de que o feiticeiro Babidi e o terrível Bubu (aquele gordalhão cor-de-rosa de carácter infantil) se encontravam a caminho da Terra com o objectivo de a destruir.
(Os gregos apresentam-nos Neptuno como o Deus do Mar, vivendo nas profundezas do Oceano. É um velho bonacheirão, de longas barbas encaracoladas, roupas leves e um enorme tridente na mão. No entanto, quando se dirigiu a Songoku, apresentava um aspecto um tanto diferente: um pequeno indivíduo de pele lilás, cabelo claro à punk com uma enorme trunfa no meio e rapado de lado e roupas do tipo extraterrestre. Como sabemos, os deuses podem apresentar o aspecto que quiserem.)
O Bubu desapareceu e os Deuses continuaram vigilantes. Embora eles apenas tenham controlo sobre os homens, têm, como já vimos, sempre um olho apontado ao restante universo. Foram eles que se aperceberam das manobras dos usbecks, muito antes de eles prepararem o teletransporte que os trouxe à Terra. O Pai dos Deuses, Júpiter (Zeus é o seu nome grego, mas como em cada época as pessoas têm que se limitar à tirania de uma dada língua ser a língua universal, vou transcrever o nome dos deuses segundo a língua inglesa da antiguidade, o latim), ao pressentir algo de grave, reuniu os deuses para se decidir o que fazer, para evitar o fim da raça humana.
A solução era relativamente óbvia: dados os incríveis poderes e capacidades dos invasores extraterrestres, só havia no mundo um pequeno grupo de humanos capaz de os enfrentar. (Os super-guerreiros eram humanos por adopção, pois como todos sabem , também são extraterrestres.) Era o grupo do Songoku e seus amigos. Seguindo o procedimento habitual, os deuses enviariam um da sua raça a avisar Songoku do perigo que espreitava a Terra. Não havia tempo a perder, pois faltavam poucos dias para que os usbecks começassem as tentativas de teletransporte que os trariam à Terra. Júpiter, “Deus dos deuses e dos homens”, pediu voluntários para irem avisar o Songoku da missão que lhe seria atribuída.
Os divinos imortais que o rodeavam responderam-lhe com o silêncio. Não é que fosse assim tão chato dar uma voltinha pelo planeta dos míseros mortais, mas o sentido de superioridade dos deuses fazia com que eles evitassem ao máximo o contacto com a raça inferior dos seres humanos.
- Bem, se é assim – disse Júpiter – vou ter que tirar à sorte…
*
Songoku e os seus amigos e família encontravam-se de férias no Algarve, alojados numa bela vivenda na Quinta do Lago. Após tantos combates, e tão valiosos para a segurança da vida na Terra, os Deuses resolveram recompensar estes bravos como mereciam: cada um deles recebeu uma conta na Suíça com dinheiro em quantidades incalculáveis, e sempre que precisassem de mais, bastava dar uma apitadela ao deus Neptuno, seu amigo, do qual guardaram o número de telemóvel. Se isto é fácil de fazer para os grandes mestres em Engenharia Financeira, com o sigilo bancário e a circulação de dinheiro através de companhias baseadas em paraísos off-shore , para os Deuses, que tudo podem, é como comer ginjas. Songoku reformou-se (embora eu não saiba qual a profissão dele, porque nunca o vi trabalhar nem sei como ele governava a vida antes de receber a prenda dos deuses), deixou mesmo de lutar (só com o Vegeta, em casa e por brincadeira, para recordar os bons velhos tempos) e passou a fazer vida de luxo. Quintas e casas de férias por todo o mundo, carros, brinquedos caros, festas para o pessoal, etc. Na Quinta do Lago estavam Songoku, a mulher Kika, os filhos Songohan e Songoten e a namorada de Songohan, Videl; Krilin, o mais antigo amigo de Songoku, a mulher C18 e a filha de ambos; Vegeta, a mulher Bulma e o filho Trunks; Satã (Coraçãozinho de); Yamsha, o velho amigo; Tartaruga Genial, o mestre de Songoku e Krilin, e ainda o porco e o animalzinho voador que acompanhavam Songoku e Bulma na primeira série, Dragon Ball.
Estava a malta toda na piscina quando rebentou um trovão num céu claro e sem nuvens. Pouco depois, um homem de tez morena, cabelo preto, bigode rijo e aspecto de feirante, aparecia junto deles vindo do nada. Era Mercúrio, deus dos comerciantes e dos ladrões.
Todos olham uns para os outros, sem perceberem quem era aquele homem ou como tinha chegado ali. Songoku tomou a palavra:
- Quem és tu?
O homem não respondeu logo. Avaliou Songoku, observando-o da cabeça aos pés; avaliou os outros de relance; virou-se de novo para Songoku e comentou;
- Estás bem mais gordo que da última vez que te vi em acção!… boa vida, hem? Comer, beber e dormir, não é? Pois, pois. Espero que não te tenhas esquecido de como é que se luta! Está na hora!
Ninguém percebia nada. Songoku insistiu, no seu estilo calmo e sereno:
- Lutar? Para quê? Quem és tu? Vens para lutar comigo?
Tal como anteriormente (tinha sido ele a descobrir a face terrena do deus Neptuno sem que este o dissesse), foi Satã que informou os pobres terrestres:
- Vocês não percebem nada! É o deus Mercúrio, e deve ter algo importante para nos dizer!…
Todos se espantaram. O feirante levantou os braços e disse:
- Ok, ok, deixemo-nos de rodeios! Satã tem razão, sou o deus Mercúrio e trago-vos notícias graves e urgentes. E um desafio. A todos, mas a ti em especial, Songoku.
- Fala, então. Mas, se é algo assim tão grave, vamos para dentro de casa. Não queres tomar nada, primeiro? Uma bebida?…
Orgulhoso e altivo, como todos os deuses no contacto com os humanos, Mercúrio recusou polidamente:
- Apesar do meu aspecto humano, não deixo de ser um deus e os deuses só se contentam com o néctar e a ambrósia, alimentos divinos…
- Mas tenho ali um Porto Sandeman, colheita de 1960…
- aaaah… os deuses nunca rejeitam um acto de boa vontade… vamos lá, então.
Todos entraram na luxuosa vivenda e acomodaram-se à sua medida nos magníficos sofás, servindo-se de doces, salgados e aperitivos. Uma vez servidos, Songoku deu a palavra a Mercúrio.
- pois bem, meus amigos, é tão só e apenas isto: um grande perigo ameaça a Terra!
E narrou-lhe os acontecimentos que se estavam a dar no longínquo planeta Usbeck.
- Portanto, tendes de voltar aos treinos de modo a parar esta ameaça o quanto antes!
Consciente da gravidade do problema, Songoku virou-se para os outros guerreiros:
- Rápido! Vamos começar a treinar imediatamente! Não temos tempo a perder!
- Mas, papá – interrompeu Songohan – como vamos ter tempo de nos treinarmos convenientemente, se esses invasores chegam à Terra dentro de tão poucos dias? Não te esqueças que todos nós estamos gordos que nem texugos, por causa da vida que levamos, sem fazer nada. A nossa forma física está muito em baixo!
- Só há uma hipótese de ficarmos prontos a tempos: irmos até ao Palácio do Dende, onde está instalada a sala especial de treino. Vamos!
Pouco tempo depois, todos estavam no palácio daquele pequenino ser verde chegado à Terra há alguns anos. Eu até vos dizia onde é o tal palácio, mas infelizmente não sei onde é.
Felizmente que, no palácio do Dende, ainda havia aquela sala de treino especial que distorce a progressão do tempo, de maneira a que um minuto passado lá dentro corresponde a seis horas passadas cá fora. É pena os amigos do Songoku serem egoístas e não construírem mais salas dessas para as pessoas se servirem; estou a ver montes de utilizações possíveis. Estudantes em véspera de exame, entravam na sala e ficavam por lá 20 minutos (20x6=120 120/24=5), o que equivalia a 5 dias para estudar; quem precisasse de umas horas para descansar, bastava um minuto lá dentro; se a Assembleia da República, os tribunais e os hospitais fossem instalados dentro dessas salas, acabavam as listas de espera, a demora dos processos e as leis urgentes que nunca mais são aprovadas (além de os deputados poderem perder o tempo que quisessem em trocas de insultos e jogos de putos malcriados); etc.… infelizmente o Songoku está de férias eternas dadas pelos deuses e não está para se preocupar com isso…
De qualquer fora, com o tempo passado na sala, todos ficaram preparados rapidamente. Agora restava esperar a vinda dos invasores extraterrestres.
*
O teletransporte dos usbecks levou-os até ao deserto da Líbia, extensão do deserto do Sara, sítio tórrido e inóspito.
Vejo já o leitor a interrogar-se sobre a veracidade deste teletransporte. Na Líbia? Toda a gente sabe que os extraterrestres, quando vêm à Terra, vão sempre para os Estados Unidos! É o que acontece sempre nos filmes! Como podem estes ter ido parar à Líbia?
É simples. O planeta Usbeck é bastante longínquo, e os usbecks não tiveram muito tempo de aperfeiçoar a técnica do teletransporte. Por isso, embora tenham visualizado uma planície verdejante e isolada onde os humanos não os descobrissem, a coisa não saiu muito bem e eles foram parar ao deserto. E mesmo assim já foi bom; se tivessem experimentado fazê-lo no início do treino do teletransporte, podiam ir ter parado no meio do oceano, no Pólo Sul, ou pior ainda, na Lua!
Uma vez chegados e encontrando-se todos bem, o chefe declarou:
- Vamos agora à procura daqueles que são o único obstáculo entre nós e o domínio deste planeta. Mirkirk, tu que és o nosso especialista na técnica do radar cerebral, procura a energia do Songoku!
Não foi preciso muito esforço. Poucos segundos depois, Songoku, Vegeta, Satã, Krilin, Songohan, Trunks e Songoten materializavam-se junto dos usbecks. Os nossos amigos já dominavam perfeitamente a técnica do teletransporte, assim como o radar mental que apanhava as vibrações de outros guerreiros na atmosfera, e não tiveram dificuldade em encontrá-los.
Durante um momento os dois exércitos ficaram a observar-se mutuamente. O chefe usbeck tomou a palavra:
- São vocês os tais super-guerreiros que vêm defender os humanos? – pergunta desnecessária para quem havia visto os vídeos do Dragon Ball Z para estudar a técnica do teletransporte e, acima de tudo, para conhecer aqueles que seriam os seus adversários.
- Somos, sim, e já sabemos quem vocês são. E ficam a saber que não vão ter sorte neste planeta! – respondeu corajosamente o Songoku.
- Vocês são 7, crianças incluídas, e nós somos 10. Não achas que estão em inferioridade?
- Chegamos bem para vocês – rosnou o Vegeta.
- E já estamos habituados a enfrentar toda a espécie de inimigos, já lutámos contra muitos iguais a vocês! – acrescentou o Krilin.
O chefe dos usbecks, Zwolle, discordou.
- Temos algumas diferenças em relação aos inimigos que vocês defrontaram antes.
- Que diferenças? São igualmente maléficos e pretendem destruir a Terra, como os outros!
- Não. Essa é a primeira. Não somos maléficos, somos políticos.
Songoku não percebeu. Políticos?
- Os inimigos que defrontaste eram realmente maléficos. O Freezer, o Sell, o Bubu, esses queriam destruir a Terra sem que a gente saiba muito bem porquê. Que ganhavam eles com isso? Sentiam-se melhor? Ganhavam poder? Não. A resposta é: porque sim. Era um objectivo. Podiam em vez disso ir ao café da esquina beber umas bejecas, mas não, preferiram destruir a Terra sem razão aparente. O feiticeiro Babidi criou o Bubu simplesmente para ser malvado e para destruir. É o expoente máximo da estupidez, destruir porque sim, porque é engraçado. Nós não. Nós não destruímos por destruir. Nem vamos destruir nada. Nós temos um projecto político, que é colonizar a Terra com os nossos irmãos usbecks, que não cabem no nosso belo planeta. Para isso temos de eliminar os humanos ou escravizá-los.
Songoku não deu importância.
- Sejam políticos ou maléficos, não vejo muita diferença…
Embora nunca tenhamos percebido porque razão o Songoku e os seus inimigos perdiam minutos infindáveis a atirarem bocas uns aos outros e a provocarem-se mutuamente, a razão é simples. Enquanto falavam, aproveitavam para medir-se mutuamente. Nem importa o que diziam: enquanto falavam, iam analisando os pontos fortes e fracos do adversário. Pelo menos alguns, porque outros era a arrogância e a estupidez em estado puro. Os Usbecks não sofriam desse mal. O chefe interrompeu bruscamente o diálogo:
- Chega de paleio! Preparem-se para combater! Formação 3!
Songoku e os amigos foram um pouco apanhados de surpresa, já que estavam habituados a falar antes de lutar. No entanto, todos se prepararam.
A Formação 3 dos usbecks consistia em dividir o grupo em 3 sub-grupos, dois de três lutadores e um de quatro, de forma a repartir esforços. O chefe já conhecia minimamente as capacidades dos adversários e uma análise muito rápida veio reforçar as suas ideias. Logo concluiu que o Songoku e o Vegeta eram os termos mais fortes daquele grupo, calhando um grupo de três usbecks para cada um. Os outros, mais fracos, poderiam ser derrotados pelos quatro restantes.
Os usbecks agacharam-se um pouco, flectindo as pernas (a tomar balanço) e levantaram voo a alta velocidade, precipitando-se sobre os nossos amigos como aves de rapina sobre um pobre coelho.
A formação 3 revelou-se terrivelmente eficaz. Os nossos heróis, um pouco surpresos pela rapidez do ataque, responderam como sabiam, cada um por si. Rapidamente o combate evoluiu como Zwolle havia previsto. Songoku e Vegeta viram-se cercados por três lutadores muito aguerridos. Ao fim de pouco tempo, ambos recorreram àquele velho truque de desaparecerem no ar para reaparecerem a alguns metros de altura, ou 100m mais ao lado, no que deveria ser chamado “mini-teletransporte”. Mas tal não resultava, pois os seus adversários eram também exímios no teletransporte a curtas distâncias e quando Songoku se materializava no local escolhido, já lá estava um ou dois usbecks à espera dele, para lhe darem aqueles violentíssimos pontapés na barriga ou nas costas que vimos no Dragon Ball Z e que nos deixavam a perguntar como era possível o nosso herói não ter ficado tetraplégico, com a coluna feita em pedaços.
Os outros estavam mais a levar que a dar do terceiro grupo usbeck.
*
No Dragon Ball Z, podia ter demorado dias ou mesmo semanas de episódios intermináveis até os nossos heróis se encontrarem na posição de derrota iminente, em que sempre se encontraram antes de “virarem a maré” para chegarem à vitória final. Aqui, tal não chegou a 10m de combate aceso. Todos os nossos heróis se encontravam no chão, ou gravemente feridos ou inconscientes. Zwolle suspendeu a Formação por breves instantes.
- O combate parece ter chegado ao fim, Songoku! Somos mais fortes e vamos reclamar a nossa vitória! Estás pronto?
Songoku, ferido, olhou de lado para Zwolle, e tentou levantar-se. Respondeu, mas com muita dificuldade:
- Estás…enganado…mal começou! – a voz tremia, o lábio sangrava, mas conseguiu pôr-se em pé. Vegeta já estava em pé, também. O grande guerreiro orgulhoso, dominado pelo ódio e pela fúria, tentou transformar-se em super-guerreiro, mas foi incapaz..
- Vocês são muito fortes… - a voz tremia, mas não hesitava. - …mas não me conhecem bem… vou mostrar-vos aquilo que sou capaz! AAAAAAH!
E começou a concentrar energia nas mãos, para descarregar um dos seus potentes raios de energia.
Mas Zwolle estava muito determinado. Ao contrário do que é habitual, não esteve à espera, (diria mesmo à seca), até o Vegeta lançar o seu golpe, para depois ficar estupidamente a olhar para ele e desviar-se no último instante, como fazia o Freezer, ou o Sell, num gesto de estúpida e arrogante demonstração de poder. Berrou:
- Soldados, Formação 10-1! Grau capital! Preparar!…
A Formação 10-1 significava que os 10 combatentes concentram as suas forças num único alvo, através de 10 raios de energia que se juntam num único, antes de atingirem o alvo. “Grau capital” era a aplicação da pena capital ao alvo em questão. Os 10 puseram os braços no ar e, em 3 segundos, 10 bolas de fogo surgiram.
Songoku, em desespero de causa, gritou:
- Não! Esperem!
Não esperaram. Um potente raio de energia atingiu o Vegeta, que desapareceu numa bola de fogo, seguida de uma enorme explosão.
Quando a poeira assentou, deixou ver uma cratera e um esqueleto em muito mau estado! O Vegeta tinha ascendido ao Outro Mundo, ao Reino dos Mortos.
- Bandidos! Nem esperaram que ele preparasse um golpe de defesa! – urrou Songoku.
O usbeck ripostou.
- Temos outra diferença para aqueles a quem nos estavas a comprar há pouco. Eles eram extremamente arrogantes e auto-confiantes. Várias vezes tiveram a oportunidade de dar cabo de vocês, mas em vez disso punham-se a brincar. Ou então, em vez de se desviarem de um golpe vosso, de um “ká-mé-há-mé”, por exemplo, ficavam a olhar para ele, estupidamente paralisados, sem reacção. Nós somos humildes. Sabemos que vocês nos podem destruir, se vos dermos espaço de reacção. Somos mais fortes que vós, mas o Freezer, o Sell e o Bubu também o eram. Só que nós não damos hipótese. Não somos arrogantes. Não ficamos para aqui a mandar bocas enquanto vocês se recompõem dos golpes sofridos. Nem ficamos à espera. Atiramos a matar.
De súbito, Zwolle caiu em si.
- Para provar que falo verdade, já vos digo: acabou a conversa. Defendam-se!
Simples e objectivos, os usbecks repetiram o primeiro movimento, lançando-se em voo sobre Songoku. Que poderia fazer o nosso herói, nesta situação desesperada? Os seus filhos e amigos continuavam caídos no chão.
A única hipótese era apelar à honra e ao bom senso, pois 10 contra 1 era evidentemente desequilibrado.
Ele bem tentou falar, mas ninguém lhe deu ouvidos. Os usbecks caíram todos em cima dele. Atordoaram-no ainda mais, moeram-no de pancada, causaram-lhe três profundos traumatismos cranianos, fracturaram-lhe os ossos em 53 pontos, hematomas no tórax e na bacia, maxilar quebrado, dentes a voar, nariz feito bolacha, danos irreversíveis na espinal medula, e danos internos nos rins, pulmões, estômago, fígado e bexiga, e deixaram-no cair no chão. Tudo isto em menos de 2 minutos. Zwolle, longe de se pensar um cobarde, só pensava na fácil vitória alcançada e no futuro da sua espécie no novo planeta.
- A vitória é nossa! Reservo para mim o acto de liquidar este fraco. Afastem-se!
Os 10, em círculo, elevaram-se 5 metros no ar. Zwolle estendeu a mão direita, aberta, apontada a Songoku. A mão iluminou-se e um raio de fogo atingiu Songoku, com uma explosão.
Songoku não ficou em tão mau estado como o Vegeta, mas não era preciso ser médico-legista para constatar o seu óbito.
Zwolle não mostrava especial emoção.
- Os outros ficam para vocês: acabem com eles!
As águias de rapina precipitaram-se sobre Satã, Krilin, Songohan, Songoten e Trunks. Não brincaram com eles, nem os fizeram rebolar, nem sofrer inutilmente de forma sádica. Simplesmente acabaram com eles, de forma fria e cirúrgica, numa série de explosões e nuvens de poeira.
Todos os nossos heróis estavam mortos. Foi com a maior das consternações que foram recebidos no Olimpo, depois de passarem pelo Outro Mundo. Os deuses, aterrados, reuniram-se de emergência.
*
Os usbecks sentiram-se nas nuvens! Em poucos minutos, destruíram a única resistência que os humanos tinham para oferecer. Começaram a cantar e a festejar, mas rapidamente Zwolle, sempre circunspecto e pouco dado a emoções, os trouxe à realidade. Começou a traçar o plano de acção.
- Como sabem, os recursos deste planeta são valiosos e não podemos desperdiçá-los em destruição inútil. Isso era o que fazia o Bubu, que transformava os humanos em chocolates e os comia. Não vamos embarcar nessa palhaçada. Sintonizem-se comigo: vamos comunicar por telepatia para os nossos superiores em casa, para relatar a nossa vitória.
É verdade, entre outras técnicas, os guerreiros usbecks também aprenderam a falar por telepatia.
Os usbecks foram felicitados pela sua vitória e Zwolle recebeu autorização para proceder à fase B do plano de colonização. A fase B consistia em procurar o melhor local possível na Terra para a chegada dos primeiros habitantes. As infra-estruturas humanas (prédios, comunicações, estradas) seriam mantidas intactas, pois apesar de serem inferiores à tecnologia usbeck, seriam valiosas para ajudar ao estabelecimento dos primeiros colonos, para estes não começarem do zero. Da mesma forma, os humanos seriam poupados no limite possível, sendo eliminados apenas aqueles que ocupassem as infra-estruturas necessárias e, bem entendido, aqueles que oferecessem resistência. Esperava-se que os antiquados exércitos humanos tentassem tudo para resistir.
A nave com os primeiros colonos já vinha a caminho, estando prevista a sua chegada à Terra para daí a três dias (segundo o calendário terrestre); a distância infinita seria ultrapassada através de pequenos saltos no espaço com a técnica do teletransporte, que alguns colonos haviam igualmente aprendido. No entanto, o peso da nave evitava a chegada instantânea à Terra, obrigando aos tais saltos.
O plano B fazia uma referência especial a armas de destruição maciça e a armas nucleares, que se esperava que os humanos pudessem empregar contra os guerreiros. Tal era bem possível e não convinha aos usbecks, interessados na preservação do planeta. Assim, enquanto decidiam qual o lugar a ocupar, convinha-lhes permanecer anónimos e não chamar a atenção.
Assim, Zwolle ligou o chip informático que se encontrava no seu cérebro, e que lhe permitia ter na sua memória dados extra, para consultar as informações que os telescópios e os rádios hiper-potentes haviam colhido sobre a Terra.
- Tenho aqui nos meus dados sobre o planeta, que em tempos parte da espécie humana procurou uma terra a que chamavam a Terra Prometida, por ser muito fértil e benfazeja. Não é muito longe daqui. Vamos até lá. Formação de voo!
Os 10 tomaram balanço e elevaram-se no ar, quais aviões. Tomaram o caminho da Palestina. À velocidade de um Boeing, sobrevoando o Egipto, o Canal do Suez e a península do Monte Sinai, não demoraram muito.
A Terra Prometida, vista de cima, apresenta um aspecto muito singular. Dividida em duas partes, sendo uma mais rica que a outra. A prosperidade parecia muito longe dali. No entanto, descortinaram uma cidade grande e com bom aspecto, dinâmica e civilizada. Era Telavive. Disfarçados de humanos , teletransportaram-se para um sítio isolado da cidade. Depois, deambularam pelas ruas até encontrarem um centro comercial apinhado de gente.
Quando iam a entrar…BOUM! Uma enorme explosão! Que cagaço para os usbecks! Pânico entre os humanos, mortos e feridos! O que acontecera?
A actividade habitual do movimento radical islâmico Hamas… os usbecks ficaram mal impressionados. O chefe ordenou:
- Estes humanos são malucos! Enfim, estão numa fase muito atrasada da civilização… vamos a outro lado! Formação de voo!
Os usbecks levantaram voo imediatamente, sem se preocuparem em ser vistos. O pânico e a agitação causados pelo atentado fizeram com que ninguém reparasse.
Pouco depois, cruzaram-se com um helicóptero de guerra que se dirigia para sul a alta velocidade. Camuflaram-se e acompanharam-no. Para onde iria? O que iria fazer?
Lá em baixo, a paisagem mudara. Campos de refugiados, povoações pobres e semi-destruídas, mas apinhadas de gente. Subitamente, o helicóptero reduz a altitude… e dispara um míssil, que acerta em cheio num automóvel que passava lá em baixo. Os usbecks teletrasportaram-se para lá, sempre sem que ninguém os visse, de modo a perceberem o que se passava. Era simples: os israelitas haviam morto um alto dirigente do Hamas, na Faixa de Gaza. Os usbecks ficaram atónitos. Que soberba capacidade de destruição, matar um alvo pré-definido a partir de um helicóptero, sabendo antecipadamente onde estava!… os humanos eram incríveis!
No entanto, o chefe Zwolle começava a ficar decepcionado.
- Vamos andar por aí mais um bocado, pode ser que descubramos um local pacífico nesta tal Terra Prometida…
Mas o que mais significativo encontraram foi um quartel cercado por um exército, onde um velho que o mundo inteiro afirmava ser o presidente de um povo parecia ser mais o presidente de algumas paredes a cair. Era o quartel-general da Autoridade Palestiniana, uma Autoridade continuamente desautorizada por Israel, onde Yasser Arafat esperava não se sabe muito bem o quê.
Zwolle reconsiderou.
- Afinal, esta Terra Prometida não presta para nada! Vamos para outro lado!
Sondou os seus dados e anunciou:
- Parece que a cidade mais importante da Terra se chama New York, tem prédios altos…fica à beira-mar… (Zwolle fazia um esforço para perceber os dados que tinha no cérebro) e é bastante longe daqui. Sintonizem-se comigo. Vou teletransportar-nos para lá.
O teletransporte do líder usbeck não correu muito bem. Foram parar a Angola, e ficaram horrorizados ao verem uma tão bela, fértil e rica porção do planeta enterrada na miséria, quase sem esperança de um futuro melhor. Só a falta de infra-estruturas fez com que os usbecks não iniciassem já ali o seu projecto. (ainda bem para eles; os colonos extraterrestres perderiam as pernas e as vidas nos milhões de minas anti-pessoal enterradas nos campos daquele país.)
Novo teletransporte. Desta vez ficaram mais perto de Nova Iorque: foram parar às Caraíbas. Era bonito, aliás era espectacular em termos de paisagem, mas apresentava vários inconvenientes: as ilhas eram demasiado pequenas, o clima era um pouco quente demais, e as infra-estruturas estavam distribuídas de modo estranho: havia grandes e luxuosos prédios junto ao mar, e no interior humanos aparentemente mais pobres viviam em casas pequenas e sem grandes condições.
Mais uma tentativa. À terceira foi de vez, e os usbecks ficaram maravilhados. Era a maravilhosa Nova York. Estavam suspensos no ar à entrada do porto, com a baixa de Manhattan de um lado, com os seus prédios gigantescos, e uma estátua gigantesca do outro, representando uma figura feminina erguendo uma chama. Tudo ali havia necessário à vinda dos seus irmãos. Só faltava, claro, espaço para a agricultura, mas tal só seria necessário mais tarde.
Sobrevoaram a cidade, mas a uma altitude suficiente para não serem notados. Repararam que, na baixa, havia um enorme espaço vazio no meio dos prédios altos.
- O que será aquilo?
- Talvez antigamente houvesse aqui um prédio e tenha sido demolido. Se calhar era tão alto que foi atingido por um avião e caiu! – gracejou Mirkirk.
- Ah! Ah! Ah! - Riram os outros extraterrestres, descartando a hipótese de uma coisa dessas alguma vez acontecer.
- Vocês riem-se, mas se calhar até foi isso mesmo! Os humanos são de tal forma loucos… não me admirava nada… - opinou o chefe Zwolle.
*
O primeiro instinto dos deuses foi ressuscitar Songoku e os amigos, para voltarem lá abaixo. Mas Júpiter reflectiu um pouco e concluiu que tal não era possível.
- Porquê? – perguntou Apolo, deus do Sol. – A ti tudo te é permitido, ó Pai dos Deuses.
- Ressuscitar mortais é um acto muito delicado. A Morte nunca consentiu nisso, não só pela gravidade da situação mas porque a lei tem que ser igual para todos. Foi por isso que se criou aquela desculpa das bolas de cristal, da qual o Songoku e os amigos já se serviram antes para ressuscitarem. Acontece que eles não se podem servir delas mais vezes, não só por esgotarem os créditos mas também porque as bolas desapareceram. E não vale a pena correr o risco de ressuscitá-los sem ter a certeza de que eles conseguem vencer os usbecks. E já vimos que não são capazes.
- Então como (hic) fazemos? – perguntou o deus Baco, que havia começado o dia com uma garrafa de whisky Queen’s Seal em jejum.
- Alguém tem de ir lá abaixo combatê-los.
Pouco depois, os deuses concluíram que nenhum deles iria lá abaixo enfrentar os usbecks. Já Neptuno o havia feito, aquando do Bubu, mas sem nenhuns resultados para além da grande coça que o deus do Mar apanhou. Os deuses na terra não seriam capazes de enfrentar os usbecks. Havia, portanto, que escolher, um humano (ou mais, já que os outros eram muitos) para desempenhar o papel. Na melhor das hipóteses, os deuses emprestariam alguns poderes a um humano com as qualidades requeridas para lutar com os usbecks. Mas quem, agora que o invencível Songoku estava morto?
Júpiter teve uma ideia.
- Onde está o Hércules? Hércules! – chamou.
(Nada de confusões: o Hércules aqui mencionado não é o pai da Videl, que apareceu no Dragon Ball Z, mas sim o original, o semideus que realizou os 12 Trabalhos e que habita o Olimpo.)
Ao ouvir o chamamento do Pai dos Deuses, Hércules apareceu.
- Precisamos de ti para resolver um problemazito lá em baixo na Terra…
Mas Hércules, o homem que abriu o Estreito de Gibraltar com um golpe da sua espada, separando a Europa da África, imediatamente se chegou para trás.
- Eu?! Eu estou velho para essas coisas, não, eu não.
- Ora essa! Porquê? A Terra está em perigo! – trovejou Júpiter.
- Estou aqui no Olimpo há mais de 2500 anos, e desde que vim para cá não mexo uma palha nem faço um caralho. Como pensais vós que está a minha condição física? Se o Songoku não é capaz de resolver o problema, eu muito menos. É inútil eu ir para lá.
Júpiter, sereno, reconheceu a validade dos argumentos do semideus, e mandou-o embora.
Quem poderiam então escolher?
De entre os mortais, quem teria as qualidades necessárias para um tal combate?
Baco teve uma ideia, e comunicou-a através de um espesso e insuportável hálito:
- Já sei! Juntemos o Rambo, o Rocky e o John Spartan na mesma pessoa e enviemo-lo (hic!) para o combate!
Os outros deuses olharam para ele.
- Era só uma piada, Ah! Ah! Ah! Ah! Ai ai ai que o whisky me fez mal…
Ninguém tinha vontade de rir. Júpiter levantou-se do Trono e espetou-lhe uma sonora bofetada que o mandou ao chão.
Vénus, a deusa do Amor, sugeriu o nome de Mike Tyson. Júpiter louvou a apresentação de ideias construtivas, mas discordou:
- Precisamos de alguém que os elimine, e não que lhes arranque as orelhas.
Juno, esposa de Júpiter, propôs o nome daquele que, afinal, era o homem mais poderoso do mundo: George W. Bush. O seu esposo discordou, pois Bush sem o aparelho do estado a protegê-lo, as suas Forças Armadas, a CIA, o FBI e os Conselheiros e Secretários da sua Administração, não passava de um velho e estúpido bêbado. Continuando na mesma linha de pensamento, Juno lembrou-se de um político de garra e carácter com habilidades de lutador: Arnold Schwarzenegger. Júpiter soltou um longo suspiro de desalento…e perguntou:
- Alguém tem mais ideias de humanos?…
Os deuses acabaram por concluir que não havia humanos suficientemente talentosos, por mais poderes que os deuses lhes emprestassem depois de os seleccionarem, para derrotar os usbecks.
Pensaram então numa solução humana. Havia tanto armamento espalhado pela Terra que, bem utilizado, seria concerteza eficaz contra os usbecks. Mas, como utilizá-lo? Primeiro pensou-se nas armas nucleares. Um míssil apontado ao local onde os 10 extraterrestres se encontravam seria suficiente. Mas Marte, o deus da guerra, opôs-se:
- Se queremos salvar a raça humana é melhor não apostarmos nas armas nucleares… nunca faças um buraco para tapar outro…
Depois, propôs-se a utilização de mísseis de cruzeiro, menos destrutivos. De novo, Marte mostrou-se pessimista:
- Mísseis só servem para bombardear cidades, e nunca para eliminar indivíduos. A maior potência humana, os Estados Unidos da América, lançou mísseis e mísseis para eliminar um único homem, o seu mortal inimigo Osama bin Laden. Falharam. Como querem que os mísseis acertem em extraterrestres com poderes de voo e teletransporte? Impossível.
O que fazer?????…
Estavam os deuses nesta discussão quase desesperada, quando apareceu, lá ao fundo, um desses poucos mortais que têm direito a estar no Panteão Máximo, partilhando da companhia dos deuses.
Para receber tal graça, um mortal deve possuir características muito especiais, e únicas, que o tornem digno e merecedor do Olimpo. Uns, por serem semideuses, isto é, filhos de um deus e de uma mortal, como Hércules; outros, por possuírem capacidades excepcionais ou por terem realizados feitos heróicos, em vida.
O mortal que apareceu, casualmente (ou seria o Destino?), era Luís Vaz de Camões.
Camões, o épico, cuja epopeia “Os Lusíadas” havia sida reconhecida como uma obra genial e que valeu ao seu autor a presença no Olimpo desde 1580, ano da sua morte. (Os deuses tiveram piedade dele e trouxeram-no de modo a não ver a sua querida pátria ser governada por um rei espanhol, coisa que sucedeu precisamente nesse ano).
Camões vinha alegre, conversando despreocupadamente com a lindíssima deusa Calipso, para quem vinha compondo uns sonetos. A sua atenção foi, porém, roubada pela algazarra divina. Foi Calipso que se dirigiu ao grupo, perguntando o que se passava. Logo a puseram ao corrente da situação, e embora a conversa não fosse para ele, simples mortal, Camões ouviu as notícias preocupantes ao lado da sua divina amiga. Ambos ficaram deveras preocupados. Depois, Luís puxou-a meigamente para si e segredou-lhe ao ouvido. Calipso fez que sim com a cabeça e interpelou a reunião:
- Ouçam-me todos, por favor! Este mortal tem uma ideia que talvez possa ajudar a resolver o grave problema que aflige os humanos. Escutemo-lo!
Algo surpreendidos, os deuses fizeram silêncio. A situação era demasiado séria para mostrarem a sua habitual arrogância no trato com os mortais. Camões falou simples e claro:
- Sabeis, porventura, quem sou, e porque razão me haveis concedido a graça de permanecer eternamente na vossa divina companhia, no Olimpo? Reavivarei as vossas memórias, sobrecarregadas com o peso da História que não tem Ontem nem Amanhã. Sou Luís de Camões e escrevi “Os Lusíadas”, uma epopeia ao estilo homérico, em X cantos. O objectivo de tal obra foi glorificar os feitos de um pequeno povo que ousou desafiar e ultrapassar os limites que havíeis imposto aos homens. Permiti que vos declame alguns versos:
As armas e os barões assinalados…
- Ó amigo – interrompeu Júpiter – estamos com alguma urgência, não podia ir direito ao assunto? Como é que a sua epopeia vai salvar o mundo?
- É simples: o povo de que eu estava a falar era o povo português. Não passaram assim tantos anos desde a epopeia gloriosa. O povo mantém, com toda a certeza, a raça, a inteligência, o brio, a serenidade, a fé que dele fez o primeiro entre os povos e da nação portuguesa a primeira entre as nações. Se precisais de guerreiros capazes, valentes e destemidos, procurai entre os portugueses: entre tão brilhante gente, encontrareis aqueles com as qualidades necessárias para tão grandiosa missão. É apenas isto. Não vos arrependereis.
Os deuses olharam uns para os outros e agradeceram a Camões a sugestão.
(Há que explicar ao leitor pouco familiarizado com os meandros da Divina Morada que os mortais, no Olimpo, perdem a noção do tempo; uns julgam o tempo passar muito devagar, outros muito depressa. Decerto que, para os deuses, 500 anos não são nada; mas para os humanos, é muito tempo – muito mais tempo do que Camões pensou que tivesse passado desde a sua passagem pela Ocidental praia Lusitana. Pensais vós, contudo, que os portugueses não revelam as qualidades de que Camões falou? Estais redondamente enganados!)
De novo falando entre si, os deuses deram a sua atenção a Portugal, coisa que haviam feito poucas vezes nos últimos 500 anos.
Será que o mortal falava com razão? De facto, não mentira, os factos haviam acontecido como ele os relatou – todos se recordaram depois de o ouvirem, é claro – e, à falta de melhor ideia, era sempre de tentar… Júpiter decidiu, portanto, que os melhores portugueses seriam escolhidos para combater a ameaça usbeck. E os deuses começaram à procura dos melhores e mais capazes.
Após uma selecção apurada, os candidatos escolhidos foram os seguintes:
- Três elementos vindos de três claques, os Super-Dragões, os No Name Boys e a Juve Leo;
- Marco, conhecido adepto do kick-boxing;
- Três jogadores da equipa de futebol do Boavista;
- Um ministro da Presidência, antigo lutador de boxe;
- Paulinho, antigo jogador de futebol;
- Manuel da Costa, militar da GNR conhecido como o “Mão-Pesada” devido à sua maneira singular de impor a ordem;
- Major Valentão, presidente de câmara, presidente de uma Liga de Clubes, antigo presidente do Boavista, etc., etc., etc.;
- Manuel Joaquim, segurança de discoteca;
- Adalberto João, presidente do governo regional da Região Autónoma da Madeira;
- José Silva, efectivo da polícia de choque;
- Quimbanga, português nascido em Portugal há 17 anos apesar de lhe chamarem estrangeiro, que trouxe 4 amigos da sua “gang” do bairro da Cova da Moura, na Amadora ;
- e, para chefiar o grupo, o Zé Povinho.
“Quê?” pergunta o leitor desconcertado, “O Zé Povinho? Mas esse é inventado, não é verdadeiro…”
A questão não é essa, honrado leitor. Os deuses, após reunir os indivíduos, acharam que deviam incluir a alma portuguesa, o verdadeiro espírito português, neste grupo. Ora, o espírito português fez-se homem 400 anos depois de Camões, por um outro génio chamado Rafael Bordalo Pinheiro. Foi ele que decifrou o verdadeiro ser português e lhe deu forma humana. Aos deuses, que tudo podem, bastou dar uns retoques à obra de mestre Bordalo – isto é, fizeram o Zé Povinho de carne e osso, para ser o líder do pequeno exército.
- Afinal – exclamou Marte – havia bastantes humanos com talento para a porrada!…
*
Os extraterrestres conquistadores gostaram de Nova Iorque, mas foram traídos pelo seu desejo de destruir o mínimo possível. Acabaram por considerar que a cidade era demasiado grande. Não era necessário tanto espaço, e para se fixarem ali tinham de destruir muita coisa. Além disso, os humanos daquele ponto do mundo pareciam, sabe-se lá porquê, obcecados com a segurança; o risco de eles próprios destruírem tudo, na ânsia de acabarem com os invasores, era exactamente o que os usbecks não estavam dispostos a correr. E se eles estavam bem armados!
Na busca do melhor lugar para colonizar, os usbecks dirigiram-se à floresta amazónica. Vista a 2 km de altitude, onde se encontravam, a floresta era gigantesca, e linda. No entanto, todos os dias cedia parte do seu espaço às indústrias devoradoras e às queimadas dos famintos e desesperados Sem-Terra. Loivarden comentou:
- Chegámos a tempo de fazer deste planeta um local lindo para os nossos irmãos. A este ritmo, os humanos destruiriam tudo dentro de alguns anos. Felizmente que a Terra vai ser nossa!
Todos partilhavam este sentimento. Zwolle pensou mesmo em fulminar alguns dos trabalhadores que se viam, como formigas, a derrubar árvores sem parar. Não o fez porque um raio poderia provocar um incêndio, que poderia depois tornar-se incontrolável e os usbecks não queriam destruir. Além disso, as técnicas que havia aprendido só serviam para combater e para destruir, não para construir ou para fazer o bem, e portanto não seriam capazes de deter o incêndio.
Passaram-se várias horas. Os usbecks haviam procurado vários lugares, mas sempre andando para ocidente, acompanhando o ritmo aparente do Sol. Estava já a anoitecer na América do Sul. Poderiam voar ou teletransportar-se mais para ocidente, para continuarem a pesquisar o primeiro local de colonização, mas começaram a sentir-se cansados. Zwolle ordenou que pernoitassem na selva amazónica. Abriram uma pequena clareira com os seus poderes, montaram algumas tendas que haviam trazido em forma miniaturizada, no bolso, e aí ficaram, esperando ansiosamente pelo dia seguinte para encontrarem o melhor lugar possível para os da sua espécie iniciarem a conquista da Terra.
*
Os deuses tomaram medidas utilizadas apenas em caso de urgência. Normalmente, um deus qualquer desceria à Terra para recrutar e, neste caso, treinar aqueles destinados à missão, como fez Mercúrio ao avisar Songoku dos usbecks – pois o acesso de humanos ao Olimpo, vivos ou mortos, é ainda mais restrito que a entrada de pessoas competentes na Assembleia da República. No entanto, dado o perigo iminente, decidiu-se trazer os portugueses até ao Olimpo, emprestar-lhes os poderes especiais e dar-lhes uma formação básica. Contariam para isso com a ajuda de Songoku.
Os portugueses foram adormecidos por magia, raptados à pressa e retirados das suas ocupações por anjos diligentes e despachados – com excepção do Zé Povinho; um anjo trouxe uma revista onde ele estava presente, e o próprio Júpiter se encarregou de o fazer sair do papel como homem de carne e osso. Para poupar tempo, o deus Marte informou-os por telepatia, enquanto dormiam, do que se passava, dizendo-lhes para onde iam, o que tinha acontecido e o que teriam de fazer.
O Zé Povinho caiu depois de sair do papel, devido à surpresa daquele “parto”. Levantou a cabeça, olhou em volta, os olhos muito abertos, vendo todos os deuses à sua volta a olhar para si, sem compreender nada. Júpiter pôs a mão em cima da sua cabeça e, por magia, o Zé Povinho tudo compreendeu, desde saber falar e andar como deve ser, até à gravidade da situação. Pôs-se de pé, agora seguro de si, e virou-se para o Pai dos Deuses:
- Ó sô Júpiter, enquanto o sô acorda aqueles gajos ali, não m’arranja um copito de tintol?… mas do bom, e fresco de preferência…hum? Pode ser?
Júpiter sorriu. Na sua mão surgiu um copo de vinho, que entregou ao Zé, e enquanto este se deliciava, Júpiter virou-se para os outros 19 portugueses, que se encontravam no chão, inconscientes. Estalou os dedos e todos acordaram, assarapantados. A plateia dos deuses, disposta em círculo à volta deles todos, olhava ansiosa – com excepção de Baco, que estava na casa de banho a estrebuchar.
- Ouçam todos! Agora que Marte já lhes explicou o que se passa, vamos dar início ao programa de treino.
Marte, deus da Guerra, e Songoku ficaram encarregues de treinar as esperanças da humanidade. Songoku ensinou-lhes todas as técnicas e tácticas; Marte fê-los correr e testou as suas capacidades físicas ao limite. Com a ajuda de Júpiter, deu-lhes aquilo que mais necessitavam: poderes divinos, que aumentavam os seus poderes em todas as suas dimensões. Mas o essencial eram os talentos naturais daqueles bravos, que fariam a diferença no campo de batalha. Cada um deles tinha aptidões específicas (“golpes especiais” no calão dos videojogos de consola), tremendamente aumentadas com os novos poderes. Agora, podiam voar; e com as indicações do Songoku, aprenderam a fazê-lo com virtuosismo. Raios de energia, o famoso teletransporte, tudo eles aprenderam com a maior das facilidades.
Ao fim do dia, os portugueses tinham atingido um nível espantoso, levando o Songoku a afirmar, sem hesitações, que eram já mais fortes que ele!
(Se o incrédulo leitor acha isto fantasioso, lembro-lhe que anos antes, o Songohan aprendeu a manejar em 5 minutos uma célebre e antiga Espada Sagrada que nenhum deus conseguido controlar, durante séculos.)
Songoku estava tão entusiasmado com os seus alunos que resolveu fazer uma experiência. Chamou o Marco e o Paulinho e tentou explicar-lhes aquilo que, em tempos, havia ensinado a Trunks e Songoten – o processo de fusão. No entanto, quando perceberam o que tinham de fazer, recusaram terminantemente. O Marco foi peremptório:
- Que é lá isso, que paneleirice é essa?… não contem comigo para merdas dessas… - fazia gestos de desprezo enquanto falava. - Luto muito bem sozinho, não me vou juntar com homem nenhum nem fazer figura de parvo, era o que faltava…
- Nem eu, isso é que era bom – concordou o Paulinho.
- Pronto, está bem, não se enervem – disse o Songoku. – Não é indispensável, afinal vocês são bem mais que eles, talvez não seja preciso. Então vamos aperfeiçoar as outras técnicas!
O treino continuou até chegar a noite. O cansaço era visível nas hostes portuguesas. Diana, deusa da caça, arranjou-lhes as peças de carne que Juno, esposa de Júpiter, arranjou para fazer um jantar divinal. O treino e a convivência uns com os outros e com os próprios deuses havia-os deixado muito mais à vontade naquele sítio desconhecido, e mesmo mais confiantes para o combate que iriam travar. A meio do jantar, Zé Povinho reconheceu ao longe o seu velho amigo Baco, e chamou-o:
- Ei! Vem cá! Não nos arranjas aí um vinhito para acompanhar estes bifes?
Baco, recuperado da bezana da manhã, correspondeu ao desejo do seu amigo, e já trazia às costas um enorme barril de vinho quando Júpiter apareceu e lhe pôs a mão no ombro.
- Não, hoje não, não há vinho para ninguém. Este pessoal tem que estar fresco e a pé amanhã logo pela manhã, não podem estar de ressaca. Volta lá para onde estavas, tu mais o teu barril.
Baco não refilou, especialmente ao lembrar-se da bofetada que apanhara nesse dia. Gritou para os portugueses:
- Ouviram? Não posso fazer nada… quando vocês acabarem com os usbecks venham cá ter para a gente festejar! E agora, já que vocês estão de greve, vou eu beber à vossa saúde!
Tirou a torneira do barril, deixando jorrar o vinho livremente, e foi-se embora, sustentando o barril por cima da cabeça com as duas mãos e apontando o fluxo de vinho à sua bocarra aberta, bebendo com sofreguidão.
Depois de jantar, os portugueses viram um bocado do “Big Brother” enquanto faziam a digestão, e depois foram dormir. Um grande dia os esperava.
*
Apolo, deus do Sol, acordou-os bastante cedo, assim que apareceu por trás da linha do horizonte. Levantaram-se com uma sensação de poder e energia espantosa, derivada dos poderes que haviam recebido no dia anterior. Marte e Songoku fizeram-nos correr, em jejum. Depois cada um fez uma demonstração dos poderes que havia recebido e da sua capacidade de os utilizar. Os deuses estavam satisfeitos. Só então lhes foi dado o pequeno-almoço.
Depois, Júpiter falou:
- Penso que não preciso dizer-vos mais nada, já sabem da importância da vossa missão para o destino da Humanidade. Estaremos aqui para dar apoio moral, e mais algum, se for preciso! Boa sorte!
Todos bateram a pala como soldados. Zé Povinho pediu a Júpiter que lhe desse a localização exacta dos usbecks. Em seguida, Zé Povinho, perfeitamente seguro do seu papel de líder daquele grupo, ordenou:
- Ok, pessoal! Preparem o teletransporte para junto dos usbecks! Venham atrás de mim!
Algo perdidos, mas sem se deixarem desmotivar, os usbecks continuavam à procura do melhor local para colonizar. Só faltavam dois dias para a chegada dos primeiros colonos. Acordaram cedo, embora o sol já fosse alto; raciocinando um pouco, Zwolle pensou que se andassem para Oriente poderiam encontrar um bom lugar. Talvez naquele pequeno continente chamado Europa que não tinham sobrevoado no dia anterior e do qual havia informações de ser bastante desenvolvido. Assim, deu a ordem da formação de voo e rumou a Oriente. Alguns guerreiros haviam confessado o seu cansaço devido à repetição excessiva da técnica do teletransporte, bastante consumidora de energia, e Zwolle concordou que desta vez viajariam “à avião”. Em pouco tempo deixaram a Amazónia e a América do Sul para trás, sobrevoando o Atlântico.
O imenso oceano demorou algum tempo a ser atravessado, especialmente para quem estava habituado a chegar instantaneamente a qualquer ponto do planeta. A meio do caminho sentiram fome e resolveram fazer uma paragem para comer. Ao passarem por um navio cargueiro, desceram sobre ele e aterraram no convés. Foi o seu primeiro contacto com humanos para além do Songoku. Resistindo sempre à tentação do massacre fácil e estúpido, limitaram-se a pedir comida aos aterrados tripulantes do navio, que haviam visto a chegada aérea daqueles homenzinhos roxos. Aterrados, foram buscar enlatados, mas o capitão ofereceu mesmo uma arca frigorífica para eles levarem, se o quisessem. Zwolle agradeceu a amabilidade e mandou Jabekke trazer a oferta. Agradeceram mais uma vez e foram-se embora como vieram. Zwolle começava também a ter apetite.
- Vamos procurar um lugar tranquilo e deserto para comermos à vontade!
Seguindo pela mesma rota que traziam desde a América do Sul, chegaram a um arquipélago estranho e desconhecido. Observando-o atentamente, constataram que não era habitado! Aí estava um bom sítio para fazerem uma bela refeição. Aterraram numa das ilhas.
Observando a ilha, perceberam porque razão não era habitada, visto não ter condições para tal. Apenas alguns animais aí conseguiam sobreviver. Jabekke, o cozinheiro de serviço, retirou a comida da arca que havia trazido (peixe e carne), e em pouco tempo descongelou-a e cozinhou-a, bastando para isso aplicar sobre ela os mesmos raios de energia que havia aplicado sobre os amigos de Songoku. Em poucos minutos todos estavam sentados no chão, à roda de uma fogueira improvisada, a comer regaladamente.
*
Foi nesse momento que Júpiter deu ao Zé Povinho as coordenadas geográficas (latitude graus norte, longitude graus oeste) do sítio onde estavam os usbecks. Como este não compreendesse, Júpiter deu-lhe por telepatia, imagens da ilha onde estavam, e o nome da ilha e do arquipélago. O Zé Povinho exclamou:
- Ei! Estão em Portugal!… quer dizer, em território português!
O seus companheiros ficaram assustados. Teriam os usbecks escolhido precisamente o seu pequeno país para iniciarem o seu projecto de colonização? Estariam a destruir Lisboa?
O seu chefe acalmou-os. Não, nada disso. Eles estavam simplesmente a comer, e tinham escolhido o ponto mais isolado do território nacional para o fazer. O que o Zé não percebia era porque motivo haviam escolhido tal sítio, que não passaria pela cabeça a ninguém.
Os usbecks estavam na Selvagem Grande, a maior ilha do arquipélago das Selvagens.
O Zé Povinho preparou o teletransporte e os outros sintonizaram-se com ele. Em poucos segundos chegaram à Selvagem Grande. Olharam em volta. O vasto oceano estendia-se para todos os lados, e aquelas pequenas ilhas eram a imagem da desolação, embora se vissem alguns animais – aves e répteis. Sítio inóspito. Os usbecks falavam alto e os portugueses seguiram o som. Não demoraram a descobri-los. Depois de os verem, sentados em círculo a refastelarem-se, esconderam-se numas rochas, para não serem vistos – pelo menos para já.
Todos já tinham visto imagens dos usbecks por telepatia, mas era a primeira vez que os viam ao vivo. De facto, não tinham um aspecto assim tão terrível. Reunidos a comer e a rir, descontraídos, de tamanho médio, roxos, pareciam extraterrestres, mas não perigosos. Mas todos sabiam que as aparências iludem e que aqueles fulanos tinham exterminado facilmente o grupo do Songoku. O Zé Povinho começou desde logo a pensar na estratégia a seguir para derrotá-los.
- O que fazemos, chefe? – perguntou o Marco.
- Vamos começar por atordoá-los, a ver se ficam meio zonzos já, que depois fica mais fácil.
- Como vamos fazer isso?
- Deixem comigo. Vou preparar um dos meus golpes.
Marte havia previsto esta situação, e daí ter aconselhado o Zé Povinho a comer uma feijoada, que era destinada ao gigante Ciclope, antes de sair do Olimpo.
O chefe dos lusos pediu espaço e agachou-se. Os outros fizeram um círculo à sua volta, sem compreender o que ia acontecer. Uma vez agachado, Zé Povinho retesou os músculos e começou a fazer força como se quisesse cagar.
Zé Povinho estava a preparar a Super-Bufa.
Após 12m 36s de esforços, Zé Povinho havia acumulado no recto, graças aos seus poderes, uma enorme quantidade de matéria gasosa altamente tóxica. Pôs-se em pé, e inspirou fundo. Inclinou-se um pouco para a frente, levantou uma perna - e durante 84s libertou toda a matéria acumulada no cu. Sendo uma bufa, não tinha som. No entanto, rapidamente os outros portugueses se puseram a salvo, ao compreenderem que se tratava de uma poderosa arma biológica de destruição maciça.
Uma nuvem invisível de cheiro pestilento rodeava o Zé Povinho. Lá de cima, os deuses observavam, e Júpiter deu uma ordem a Eolo, deus dos ventos:
- Eolo, vai lá abaixo ajudá-los e encaminha aquela coisa para os Usbecks! Rápido!
Eolo desceu rapidamente para junto do Zé Povinho. Felizmente para ele, que o deus dos ventos não tem olfacto, senão não seria capaz de transportar e dispersar maus cheiros no ar. Neste caso, não se tratava de dispersar, mas sim de concentrar e levar até junto dos invasores aquela coisa horrorosa. Só um deus, que tudo pode, poderia fazer tal.
Valvaik levantou o nariz para o ar e fungou.
- Ouçam lá, vocês não sentem um cheiro esquisito, assim de repente?
Os outros fizeram o mesmo.
- por acaso… que cheiro é este?
A Super-Bufa do Zé Povinho abateu-se sobre eles. Durante alguns momentos deixaram-se estar, comentando aquela coisa, criticando a poluição que se via na Terra e a má gestão que os humanos faziam dos seus recursos. No entanto, alguns começaram a sentir-se mal. O estômago começou andar às voltas, a cabeça a andar à roda, alguns, de roxos, passaram a brancos, muito pálidos. Quando um deles vomitou, o chefe Zwolle percebeu finalmente que tinham que reagir:
- É uma armadilha, de certeza! Levantem-se todos, vamos embora!
No entanto, já era tarde! Todos tentaram levantar-se rapidamente, mas não eram capazes, haviam perdido os reflexos. Dois vomitaram logo a seguir. O chefe, o melhor atleta, conseguiu elevar-se no ar, embora à custa do que eram agora violentas náuseas. Não conseguiam voar! Zwolle ordenou então que corressem dali para fora. Ninguém conseguiu correr, mas conseguiram andar. Alguns tinham mesmo dificuldade em respirar.
A primeira batalha estava ganha.
Os usbecks foram apanhados de surpresa. Estavam perfeitamente convencidos de que nada lhes poderia fazer frente naquele planeta. Mais que isso, não tinham sido descobertos. Mas aquela coisa só podia ser um ataque dirigido a eles! Quem podia ser?
A falta de experiência é uma grande merda, em qualquer profissão ou actividade que uma pessoa se queira meter. Só depois disto tudo é que Zwolle se lembrou que, se havia de facto inimigos capazes de lhes fazer frente e se os queria descobrir, tinha que pôr em prática uma das técnicas que tinha aprendido – utilizar o radar mental de modo a sentir as vibrações do suposto inimigo, tal como fizera antes para descobrir o Songoku. Fechou os olhos e procurou em volta, ordenando aos outros que fizessem o mesmo. E, surpresa!, havia vibrações muito próximo deles! Eram fracas, mas sentiam-se claramente. Quem seria?
Os portugueses não os perderam de vista. Aproximaram-se sorrateiramente e preparavam-se para atacar de surpresa, enquanto os outros recuperavam da Super-Bufa, quando perceberam que tinham sido descobertos, pois os usbecks estavam a fazer aquilo que Songoku lhes havia ensinado no dia anterior, a procurar os inimigos com a cabeça! E agora?
Zwolle, sempre firme e altivo, lançou um desafio ao vento:
- Quem quer que sejam, apareçam! Já não nos conseguem apanhar de surpresa! Venham todos, que nós não temos medo de ninguém!
- Ei! Essa frase é minha, só eu é que digo isso, vão lá para o caralho!… - respondeu o major Valentão. Os outros mandaram-no calar.
Os portugueses resolveram responder ao desafio, e apareceram, um por um, detrás das rochas. Já que o efeito surpresa havia desaparecido, não valia a pena estarem escondidos. Iam pegar o touro pelos cornos.
Os usbecks ficaram da cor da cal. Nem queriam acreditar. Quem era aquela gente? Seriam poderosos? Não pareciam, dadas as fracas vibrações que emitiam, mas podiam estar a esconder a sua verdadeira força. Com os super-guerreiros acontecia isso, emitiam mais vibrações em estado de super-guerreiro que em estado normal. E eram muitos, mais que eles! Eram…aah…um, dois, três, cinco…dez…quin…20! Vinte guerreiros! Mas donde vinham?
Disciplinados, os usbecks esperavam as ordens do seu chefe. Este, embora algo assustado, não o deixou transparecer. Calmíssimo, perguntou, depois de todos os lusos terem aparecido:
- Quem são vocês e o que querem?
O Zé Povinho respondeu:
- Somos humanos e vimos da parte da Humanidade. E vamos dar-vos cabo do coiro e mandá-los para a vossa terra. Esta é nossa.
Não havia, claro, hipótese de pacificação ou negociação. O combate estava prestes a começar. E os usbecks estavam em dupla desvantagem: não só eram 10 contra 20, como estavam enfraquecidos por causa daquela porcaria que haviam respirado. Mas não havia nada a fazer. Tinham que dar tudo por tudo. Zwolle lançou um desabafo:
- Antes de começarmos, deixem-me dizer-vos uma coisa: a vossa maneira de lutar cheira muito mal!
- E tu nunca foste à Praia da Vieira, senão é que ias ver o que é merda a sério!… - respondeu o Zé Povinho.
Os usbecks não perceberam, mas retesaram os músculos.
Durante alguns momentos, os dois grupos observaram-se mutuamente. Estavam relativamente próximos do mar. Os animais, pressentindo que algo de perigoso iria desenrolar-se, haviam desaparecido. O céu estava bastante enevoado, embora não ameaçando chuva, e a temperatura amena. Desta vez, Zwolle teve mais dificuldade em distinguir pontos fortes e fracos naquele pessoal. E não sabia que Formação devia ordenar, hesitando. A lentidão de raciocínio devia-se, sem dúvida, àquele cheiro insuportável, que ainda não desaparecera do nariz.
Do outro lado, os portugueses também mediam os adversários. Marco, conhecido pelas suas capacidades de análise, reflectia, e comentou para um grunho de uma das claques, que estava ao seu lado:
- Caralho, mas estamos à espera de quê, afinal?
O outro encolheu os ombros.
Zé Povinho reflectia também, e acabou por concluir:
“A táctica melhor… é não haver táctica nenhuma.”
E gritou para os outros:
- Pessoal, tudo ao molho e fé em Deus! Vamos a eles!
Um imenso grito colectivo, como faziam os escoceses no filme Braveheart, encheu o ar da Selvagem Grande. Não, os portugueses não voaram para cima dos outros, porque não estão habituados a isso (lá está – falta de experiência.) Começaram a correr em direcção a eles.
Os outros ficaram algo surpreendidos, pois esperavam uma chuva de raios de fogo, demonstrações de força ou algo mais espectacular. Tentaram voar, mas tal seria impossível durante algum tempo, pois a azia criada pela Bufa ainda não desaparecera. Defender-se-iam como pudessem.
Choque violento! O combate pelo destino da humanidade parecia uma zaragata de rua, num bairro social de Lisboa. Murros, pontapés, cabeçadas, dentadas, nada de espectacular. Os portugueses, como Camões havia vaticinado, eram excelentes combatentes. Os usbecks, em minoria, estavam a ficar cheios de nódoas negras. Até que um deles, Castenrék, conseguiu arranjar espaço para desferir um raio de fogo com a mão direita, que atingiu em cheio o Manuel Joaquim. No entanto, aquela torre monstruosa de 2m de altura e 160 kg de peso, apenas ficou com o fato preto chamuscado, pois o golpe de Castenrék havia sido demasiado fraco para magoar aquele brutamontes. Manuel Joaquim sacudiu a sujidade do fato, dirigiu-se a Castenrék (que havia ficado paralisado ao ver que nada podia contra aquele monstro), pegou nele pelos colarinhos e fez o que costumava fazer aos clientes mais chatos da discoteca onde trabalhava – murros devastadores no estômago e na cara, seguidos de pontapés de uma violência bárbara e indescritível. Castenrék debateu-se e, ao fim de um bocado, conseguiu aplicar um pontapé suficientemente forte para que Manuel afrouxasse as mãos, aproveitando para fugir.
Outros usbecks, depois de aquecerem, começaram igualmente a voar e a povoar o terreno do combate de efeitos especiais dignos de Hollywood. No entanto, os portugueses souberam reagir, neutralizando os raios de fogo dos adversários, lançando chuvas de pequenas bolas de energia, e utilizando os seus golpes especiais. Paulinho enchia os adversários de mossas com o golpe do Super-Cotovelo, que merecia ser visto em filme, em câmara lenta: Paulinho aproximava-se em voo de um inimigo, inclinado para a frente, e quando estava já muito próximo, erguia o braço ao nível da cara, com o cotovelo espetado e apontado ao maxilar do adversário. Assim que o cotovelo encostava na cara do adversário, Paulinho mexia o braço tão rápido que nem se via, de modo a desferir 10 golpes de cotovelo no inimigo em 2s. Com Jabekke, por exemplo, o golpe resultou tão bem que este já não conseguia mais fechar a boca, por ter o maxilar inferior completamente desfeito. Os cacetetes de José Silva e Manuel da Costa pareciam autênticas varinhas mágicas, não só pela eficácia com que caíam na cara e nas costas dos usbecks, como pela variedade de raios de energia que os seus utilizadores conseguiam extrair deles (simples, em rajada, em espiral, duplos, etc.). O ministro-boxeur aplicava golpes ainda mais violentos que aqueles que havia aplicado contra o programa “Acontece” da RTP2. A gang do Quimbanga, com as suas navalhas, estava no seu elemento natural.
Os usbecks começaram a perceber que, apesar de esquivarem de alguns golpes, estavam em clara desvantagem. Zwolle ganhou um pouco de espaço para si e tentou teletransportar-se, porque suspeitava que algumas das suas capacidades tinham sido afectadas pelo horrível cheiro inicial. Os seus temores confirmavam-se: não era capaz! Tentou voar, e isso já conseguia – afinal, o combate já havia desentorpecido os músculos. Gritou bem alto, para que todos o ouvissem!
- Soldados, Formação Negativa! Sigam-me!
A Formação Negativa significava que os soldados deviam bater em retirada, seguindo o seu chefe, até nova ordem.
Todos obedeceram rapidamente, ansiosos por ganharem algum espaço de manobra. Os 10 ergueram-se na atmosfera e afastaram-se para o mar.
Os valentes e indisciplinados portugueses não esperaram a ordem do Zé Povinho para perseguirem os extraterrestres. Todos levantaram voo imediatamente. No entanto, a sua velocidade era baixa.
- Eles vão a fugir! Atrás deles, não os deixem fugir! – gritava o Zé Povinho.
Após o penoso esforço inicial, os usbecks foram reencontrando a sua forma física normal e puderam aumentar a velocidade de voo. Os portugueses, pouco experientes, conseguiam no entanto voar cada vez mais rápido. Os dois grupos dirigiam-se para Norte.
Zwolle raciocinava freneticamente. A manobra de diversão funcionara, mas eles não se podiam esconder eternamente. Tinham que concentrar as suas energias e voltar à luta em situação de superioridade. Tal não seria fácil. O efeito da Bufa estava a desaparecer, mas os danos sofridos eram irrecuperáveis. O pobre Jabekke, por exemplo, tinha que segurar o maxilar com a mão para não parecer um morto-vivo, e continuava a sangrar. Ah! Se ao menos pudessem teletransportar-se! Mas ainda não eram capazes disso… olhou para trás. Horror! Os humanos aproximavam-se! tinham que se esconder enquanto recuperavam! Mas onde?
Zwolle olhou em baixo. O oceano estendia-se, imenso, debaixo deles. Mas claro! Como pudera ser tão estúpido?
- Soldados, formação de mergulho!
- Que é isso? – perguntou Ternóizen, ao ouvir aquela ordem que eles não tinham aprendido. Era simples: esconder-se-iam debaixo de água.
Os portugueses viram os usbecks a picarem em direcção à água e, depois, a mergulharem. Ficaram sem saber o que fazer, mas logo foram atrás deles, e mergulharam também.
Nem uns nem outros haviam aprendido a respirar debaixo de água. Após o mergulho, os portugueses demoraram a adaptar-se. Nem sinal dos usbecks. E agora? Emergiram outra vez. Zé Povinho sentiu as vibrações deles na atmosfera. Os usbecks haviam subido a vários quilómetros de altitude. Estavam a brincar à apanhada. O Marco já estava a subir quando o Zé Povinho o mandou parar.
- Então? Não vamos atrás deles?
- Não. Estão a fazer pouco de nós. Vamos antes concentrar a nossa energia como o … o…como é que se chama? O Goku, não é? Como o Goku nos ensinou.
Passaram-se vários minutos. Ambos os grupos recuperaram forças. Os portugueses já estavam na máxima força, quando viram um clarão na atmosfera e uma chuva de raios de fogo abater-se sobre eles. Um violentíssimo ataque dos usbecks, que pareciam completamente recuperados.
Os portugueses tiveram alguma dificuldade em segurar aquilo. De repente, os extraterrestres materializaram-se em frente deles. Era a famosa táctica do teletransporte! O combate pelo destino da humanidade recomeçou, e agora tinha mais aspecto disso. Mas os portugueses também sabiam fazer como os outros, e passaram a desviar-se dos golpes! Tudo agora era mais fácil, depois de terem concentrado a sua energia.
Visto de perto parecia agora um combate aéreo, de longe parecia uma tempestade. Humanos e usbecks atingiam-se mutuamente, com socos, pontapés e raios, a velocidades vertiginosas. Apesar do aparente equilíbrio, a superioridade numérica dos portugueses era evidente.
Uma traineira espanhola pescava pacificamente na Zona Económica Exclusiva portuguesa, que rodeia o arquipélago das Selvagens. Não lhes passava pela cabeça que alguém os fosse incomodar; afinal, corriam boatos de que as próprias forças armadas espanholas iam treinar para as Selvagens (as ilhas estão mais próximas do arquipélago espanhol das Canárias que da Madeira) e nunca os portugueses haviam esboçado algum gesto de reclamação. Qual não foi o espanto quando começaram a ver raios de luz, fogo e explosões! Que era aquilo? Um raio, vindo do céu, aproximava-se do barco!
- Ay, santa madre de Dios! – gritou o capitão.
O raio caiu a 20m do barco, com uma grande explosão! Os espanhóis borraram-se todos!
- Pensava que serían los portugueses, a correr com nosotros para fuera daquí, pero isto no és misil de avión! Es lo Diablo! Piloto, sigue para Tenerife ahora mismo!
Os combatentes portugueses continuaram a mostrar as suas habilidades. Os jogadores do Boavista faziam tal como se estivessem num jogo de futebol: como vieram equipados a rigor, erguiam as solas das chuteiras, com os pitons bem apontados à carne das pernas dos adversários, tal e qual como se estivessem a disputar uma bola, e infligiam danos terríveis aos usbecks. Ao gajo dos No Name Boys só faltava uma coisa para se sentir a 100%: não tinha cadeiras para atirar aos seus inimigos, coisa que costumava fazer nos estádios de futebol.
Os dois grandes combatentes, Zwolle e Zé Povinho, estavam empenhados num combate a dois, e a luta era desesperada. Voos na vertical, teletransportes, raios de fogo, dois espantosos guerreiros. Esgotados, fizeram uma pausa tácita, observando-se mutuamente.
- De facto, és bastante bom! Mas os teus golpes começam a ser muito repetitivos… - Zwolle tentava provocar o adversário, levando-o a cometer erros. Mas o Zé Povinho nunca foi de se deixar levar em meias cantigas. Aproveitou a pausa e concentrou-se.
- Se queres saber, ainda tenho outros trunfos no cu, quero dizer, na manga!
Zé Povinho virou-lhe rapidamente as costas, inclinou-se para a frente, levantou uma perna, fez força durante 3s e desferiu o Super-Peido. Do fundo das suas calças saiu um raio de luz semelhante àqueles que temos visto serem lançados pelas mãos, mas em vez de vermelho cor de fogo, era acastanhado e amarelo. Fazia um barulho formidável.
O raio de fogo alcançou uma velocidade vertiginosa, não dando tempo a Zwolle de se desviar, que levou com ele mesmo em cheio, e caiu em direcção à água. O Zé Povinho aproveitou para auxiliar os seus companheiros.
Oistervaik estava envolvido com o Major Valentão e tentou uma manobra desesperada. Numa fracção de segundo, fez aparecer uma enorme bola de fogo, a que o Major respondeu com outra semelhante. As duas colaram-se e os dois empurravam-na um para o outro, como se estivessem num braço-de-ferro. Com os braços esticados, os dois faziam uma força enorme; a bola não se mexia, mas foi crescendo, crescendo…
“Escolheste mal a táctica, pá! São muitos anos de política e futebol a jogar ao empurra e a afastar adversários do meu caminho…” – pensou o Major. E tinha razão. Ao fim de alguns momentos, a bola começou a mover-se no sentido de Oistervaik, até que este não aguentou mais e levou com ela em cheio…
Gravemente ferido, Zwolle optou por nova retirada estratégica. Enquanto estivera dentro de água, pressentira a existência de uma ilha nas proximidades. Poderia ser uma boa ocasião para os usbecks descansarem e, quem sabe, esconderem-se um pouco e recuperarem. Saiu da água, e ordenou nova formação negativa. A toda a velocidade, impelidos pelo pânico em que se encontravam, voaram rumo à tal ilha. Em poucos minutos avistaram-na, e lá aterraram, perseguidos pelos portugueses.
Este foi o seu erro final.
Estavam na Ilha da Madeira, a “Pérola do Atlântico,” propriedade pessoal de Adalberto João.
- Alto! Aí mando eu! Ninguém me desafia na minha ilha! Se os cubanos do Continente não foram capazes, estes caras-de-boneco também não serão! – gritou Adalberto, no seu característico sotaque madeirense.
Os portugueses ficaram espantados. À medida que se aproximavam da ilha, sentiram as vibrações de Adalberto crescer. Ele tornava-se incrivelmente forte! Quando aterraram, sentiram que Adalberto João tinha tanta força como todos eles juntos!
Pois é, este guerreiro tinha uma particularidade: a jogar em casa, os seus poderes aumentavam de forma monstruosa.
Embora os usbecks se houvessem escondido na floresta, foram facilmente encontrados, através das suas vibrações. Aterraram junto deles. Pressentindo o que se ia passar, o Zé Povinho mandou que todos estivessem quietos.
Zwolle estava apavorado, pois também ele havia sentido as vibrações de Adalberto João.
“A força e a energia deste humano são extraordinárias” pensava. “Como aconteceu isto, de repente? O que podemos fazer?”
Adalberto João estava, em primeiro lugar, preocupado com alguma eventual situação de pânico provocada por aqueles acontecimentos sobrenaturais. Era preciso que as pessoas não vissem o que se estava a passar.
Adalberto João estendeu as mãos para o céu. À volta de todos eles, formou-se uma espécie de nevoeiro, cada vez mais espesso, até que todos só se conseguissem ver entre si. Adalberto João conseguira tornar aquilo invisível, de maneira que os madeirenses que passassem por ali já não conseguiriam ver na realidade o que se passava. Adalberto era exímio na arte de encaminhar os madeirenses para os seus pontos de vista.
A seguir, continuando de mãos estendidas, fez aparecer um campo de forças invisível, como se estivessem dentro de uma bola de sabão gigante. Aquela coisa tornava-se cada vez mais forte. Os portugueses assistiam, pasmados, àquele fenómeno. Lentamente, os usbecks começaram a sufocar.
- Chefe, que se passa? Não consigo respirar!
Zwolle arfava, sem entender o que passava. Os usbecks estavam a fraquejar. Vários sentaram-se no chão. Respiravam com muita dificuldade. Pior que isso, estavam a enfraquecer, conforme os portugueses podiam ver ao medir as vibrações emitidas pela energia deles, que diminuía rapidamente. Mesmo os seus músculos pareciam diminuir de tamanho. Estavam a definhar como rosas murchas.
Eram os efeitos invisíveis do campo de forças de Adalberto João.
- Na minha ilha mando eu, não tenho oposição! Ah! Ah! Ah!
Alguns extraterrestres caiam já, inconscientes. Zwolle estava ajoelhado, recusando-se a admitir a derrota.
“Vamos…mais um esforço…”
Concentrou energia nas mãos… e desferiu um grande raio, apontado a Adalberto João!
Zwolle e os portugueses viram, atónitos, o raio avançar na direcção de Adalberto, aproximar-se… e desaparecer, como que por magia, antes de o atingir!
Viva! – gritaram! Zwolle nem queria acreditar. Adalberto sorria, triunfante. Na sua ilha, era invencível – era mesmo invulnerável; nada o poderia atingir.
O presidente do governo regional apertou um pouco mais o campo de forças em redor dos extraterrestres. Todos caíram inconscientes, mesmo Zwolle, que não teve tempo de pensar em render-se.
*
A festa era grande no Monte Olimpo! Os portugueses foram recebidos como triunfadores. Todos os deuses aclamaram os salvadores do Mundo, e grandes banquetes foram planeados, para festejar.
Na bagagem, os portugueses traziam os prisioneiros usbecks, ainda inconscientes. Adalberto João havia-lhes retirado grande parte dos poderes, mas só com a acção de Júpiter os usbecks regressaram ao seu estado primitivo, não mais capazes de voar ou expelir raios de fogo. Faltava decidir o destino a dar-lhes, assunto de debate geral à noite, por entre bois assados no espeto e vinho do melhor. (Baco e Zé Povinho podiam agora brindar livremente.)
Tanto entre os deuses como entre os homens, as opiniões divergiam. Uns achavam que os extraterrestres deviam ser mortos, como castigo; outros, que deviam ser enviados para o seu planeta; outros, que deviam ficar eternamente de castigo no Olimpo. Talvez pudessem substituir o pobre Atlas, que há tantos anos sustentava nos ombros o peso do Mundo por ter apoiado os Titãs na revolta contra os deuses.
Foi Songoku que teve a ideia de os mandar para a Terra, eternamente disfarçados de humanos, e viverem por lá.
- Acho que merecem. Afinal eles não tocaram numa única vida humana, e mostraram-se preocupados com a preservação do planeta. Não vieram até cá pelo prazer da destruição.
Júpiter gostou da ideia. Mas, onde ficariam? E a fazer o quê?
Songoku virou-se para o Zé Povinho:
- Talvez Portugal os queira acolher…
O Zé coçou a barba, indeciso:
- Hum… talvez, mas a fazer o quê? Eles não podem aparecer assim, sem mais nem menos. Têm que ser completos desconhecidos, para ninguém lhes ir descobrir o passado… e para arranjarem um emprego…
De repente, estalou os dedos, e o rosto iluminou-se. Teve uma ideia! Aproximou-se de Júpiter e segredou-lhe ao ouvido.
O Pai dos Deuses sorriu. Era uma excelente ideia.
Na manhã seguinte, em Lisboa, um empreiteiro da construção civil declarava ao seu capataz que a empresa precisava de 10 novos operários, de preferência imigrantes, dadas todas as vantagens que eles oferecem. Pouco depois, 10 cidadãos de origem ucraniana apresentavam-se no estaleiro das obras à procura de trabalho. O empreiteiro pulou de contente, aceitando-os imediatamente.
- Maravilhoso! Vocês caíram do céu!
Findo o jantar, Júpiter chamou os portugueses (Camões incluído, pois foi ele que deu a ideia) e dedicou-lhes belas palavras de agradecimento. Em seguida, anunciou a sua decisão de recompensar, não só cada um dos guerreiros individualmente, mas Portugal no seu conjunto. Queria oferecer algo ao País como justo prémio pela glória dos seus guerreiros. E estava disposto a ser mãos largas.
- Que recompensa quereis? Podeis escolher:
- progressos na Saúde, Justiça, Educação;
- crescimento económico de 10% ao ano;
- taxa de desemprego abaixo de 1% (isto é, só não trabalhar quem não quer);
- glória científica para os cientistas portugueses;
- fim da corrupção na sociedade portuguesa;
Sei lá, que mais… deixa ver…políticos competentes e com visão… recursos para a vossa Nação se desenvolver à vontade… protecção contra catástrofes naturais… etc., etc., etc. Que quereis? Gostaríeis de ter vários destes tópicos, ou mesmo todos? Tudo o que quiserdes, à vossa escolha, sem limites nem entraves, sem quaisquer problemas! Só escolher, meus amigos! – O Pai dos deuses estava bem alegre e sorridente.
Os portugueses olharam uns para os outros e encolheram os ombros. Finalmente, o Zé Povinho tomou a palavra:
- Sabe, sô Júpiter, o que a gente queríamos mesmo, era que Portugal ganhasse o Euro’2004… o sô não nos faz esse jeitinho?…
Júpiter olhou o céu, coçou longamente os anéis da barba… e acabou por responder, menos sorridente:
- Voltem lá para casa, que eu vou ver se isso se arranja…